No momento em que escrevo este editorial ainda estamos nos refazendo dos trágicos acontecimentos no Rio Grande do Sul, e que ceifaram a vida de mais de 170 pessoas e outros tantos desaparecidos.
Face à repercussão do meu editorial da edição de maio, “Um pouco mais de reflexão”, no qual abordamos o tema morte, segundo o filósofo alemão Martin Heidegger – que despertou bons questionamentos entre os aficionados da filosofia -, atendendo a pedidos vamos continuar refletindo um pouco mais sobre ela, a morte.
– Poxa, Claudinei! Você está muito tétrico este mês, vamos mudar de assunto.
– Não vamos mudar, não. Acontece que nestes dias que, acompanhando os noticiários de televisão e vendo a comoção daqueles que perderam os seus entes queridos, tal calamidade me levou a questionar mais uma vez sobre o tema vida e morte, pois, quer queira ou não, nestas ocasiões sempre bate um friozinho na barriga e, para aliviar nossa tensão, achamos que estas tragédias só acontecem com os outros. Não é, meu amigo leitor?
Muito bem, desde a nossa tenra infância procuram nos ensinar a viver bem, mas nunca ninguém nos falou em como morrer bem. Então, por que não escrever sobre a morte, ou seja, ‘Morrendo Melhor’ em vez de ‘Vivendo Melhor’?
Então, vamos falar mais um pouco sobre a única coisa que temos certeza em nossa vida, que é a morte. Ou será que a única certeza que temos é que estamos vivos? Parece paradoxal, não é?
Tenho certeza que um dia você já parou para pensar de onde viemos, o que fazemos aqui e para onde vamos e a resposta parece estar muito próxima, mas nunca se concretiza e, quanto mais aprofundamos os nossos pensamentos, mais confusos ficamos.
– Claudinei, quem já está confuso sou eu, parece que você quer me matar aos poucos.
– É isso aí, meu amigo, matar aos poucos, morrer aos poucos. Este é o âmago da questão. Parabéns, você cada vez capta as coisas mais rapidamente.
– Obrigado, Claudinei, mas… não entendi nada!
– Já expliquei em outro artigo que, para morrer há necessidade de um consumo muito grande de energia, daí começamos a morrer a partir do dia que nascemos e passamos a morrer um pouco por dia a partir do nosso nascimento, embora só nos damos conta disso quando atingimos uma certa idade.
A morte, na realidade, inicia-se em nossa infância, quando estamos formando o nosso sistema de crenças. Você se lembra do primeiro cadáver que viu, ou da primeira vez que ouviu falar de morte? Pois bem, foi aí que você começou a morrer. Imagine que você nunca tivesse visto alguém morto ou ouvido sobre morte. Qual seria o seu comportamento perante ela? Nenhum, pois, ela não existiria. Concorda?
Na África existe uma tribo indígena onde, quando alguém é condenado à morte, o pagé encosta o crânio de uma caveira na cabeça do condenado e, a partir daí é apenas questão de semanas para que ele venha morrer. Começa a definhar, perde o apetite, desenvolve doenças, até morrer. Alguns cientistas americanos foram estudar o fenômeno e submeteram-se ao pagé, que de início recusou-se a realizar a cerimônia porque, até então, ninguém havia sobrevivido ao seu toque fúnebre. Contudo, com os cientistas nada aconteceu. Como se explica tal fato? É simples, os cientistas não possuíam a crença do poder do pagé.
– Claudinei, você nem está dando espaço para mim, nesta edição. Prometo não interromper mais, apenas me responda a uma pergunta: morro de medo de morrer, o que tenho de fazer?
– É fácil, basta parar de morrer ‘à prestação’ (um pouco por dia), e deixar para morrer ‘à vista’, ou seja, no momento de mudar o seu endereço cósmico. Perceba que, se fizer isto, você estará dando um comando ao seu cérebro de que você é eterno enquanto viver. Assim sendo, não irá antecipar o que já é certo e não criará ansiedade, eliminando de sua vida o medo de sair de casa, ser assaltado, andar de avião, sempre achando que poderá morrer. Substitua o paradigma de ‘morrer um pouco por dia’, por ‘viver um pouco mais a cada dia’ e lembre-se de que o importante não é o quanto você viverá, mas, o que fizer enquanto viver.
Termino com uma frase de Vinicius de Moraes que ajudou a imortalizá-lo: “Seja eterno enquanto dure, posto que é chama…”
Como a chama, um dia ‘tudo se extinguirá’ e, para as mentes mais preparadas, ‘tudo se transmutará’ e nada, nada mesmo, terminará.
Boa leitura e forte abraço.
Claudinei Luiz